nesta data

kam_tang_biogimage

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em 15 de março inicia-se uma nova vida
o que passou será mencionado como se fora um sonho
ou uma lembrança de vidas passadas
excetuando-se algumas coisas
absolutamente cotidianas e banais
como trabalhar comer  morar e respirar
tudo o mais será diferente
.
o uso do mesmo nome é mera opção pelo mais fácil
poderia ser qualquer outro
mas em benefício da comodidade
sigo atendendo por ele
e respondendo aos interlocutores
como se de fato eu fosse ainda a outra
.
em 15 de março jaz em algum lugar um rosto
uma história decomposta em outras
persistirá em algum nível
interditando/intermediando a de agora
porém não há garantias
nem mesmo esta data é precisa
já que tudo é ilusão

 

(Imagem: kam-tang-biogimage)

alguma coisa acontece

o que dizer sobre tudo isso?
não há distância possível
é agora, aqui, junto e entre nós
difícil entender, ter qualquer clareza
só o tempo permite que as dimensões dos fatos
se adequem à realidade, às vezes nem ele

há muito andávamos calados, taciturnos
rebaixados a categoria de nem sei bem o quê
na condição de alienados ou mansos
de repente aqui, ali, mais adiante
uns gatos pingados, um aglomerado
um rio de gente anunciando tempestade

há quem ache que vai dar samba
outros esperam que acabem as pizzas
ouvem-se românticos relatos de outros tempos
e também dolorosos depoimentos

o que dizer ?
alguma coisa acontece e não é só no meu coração
há muito arrastamos a vergonha de sermos dirigidos
por corruptos, por vaidosos ou ambiciosos inconsequentes
parece que o copo d’água
(na verdade uma caixa d’água de muitos milhões de brasileiros)
transbordou

a pele que habito – o filme

  O título por si só já é inquietante, algo que normalmente sequer          pensamos         e   que nomeado desta maneira produz algum           incômodo.

    O filme é incrível, mas não vou contá-lo, só aproximar uma lente        de    alguns detalhes que me contundiram.

   São muitas as “desfigurações” que se sucedem. Robert, o médico     e   pesquisador brilhante vê sua vida esfacelar-se e persegue, obstinado, uma forma de reparar ou reconstruir o que perdeu.

Vicente, ainda só parcialmente modificado, ao ouvir do médico que a cirurgia foi um sucesso, pergunta se já pode voltar para casa.  Ainda não, é a resposta.

Mutações mais tarde,  Vera repete a mesma pergunta. Mas o faz igualmente de forma frágil, talvez prevendo a resposta ou mesmo já adaptada a situação do cárcere. Seu contato com o mundo é a televisão que, num programa,  lhe oferece exercícios de libertação, ainda que o corpo esteja preso. No caso a prisão é dupla.

Ela habita uma pele estranha, aprisionada numa casa onde Robert assiste seus movimentos e a deseja através de uma enorme tela. Há um momento em que ela parece ceder completamente, identificando-se com o torturador  – ele mesmo prisioneiro e torturado.

Mas então reencontra seu rosto original, e sob a nova pele que a veste, desperta um desejo de voltar a existir por si só. Toma coragem e parte para reconquistar a liberdade, ainda que limitada pela pele que habita.