
janela
breve
serei breve
passarei por sua janela
veloz como um pássaro
que não busca pouso
em breve
assim espero
não espere mais
então direi fui
e a poeira
confirmará
em breve
toda estrada será neutra
toda noite pouca
e seu rosto corpo sorriso
não serão mais que um hábito
de escavar memórias
entre amigos
nem sempre podemos
reunir amigos caminhar com eles
ficar bobos de tão contentes
são tantos compromissos
trânsito distâncias
mas de repente
descobrimos um jeito
de abrir uma janela
e saltamos por ela
brincando e rindo
felizes como crianças
com nossas horas roubadas
uma gata, uma broa
.
ao acordar naquela manhã espreguiçou para todos os lados
abriu os dedos dos pés, das mãos, ao máximo, sentiu a umidade do ar,
pressentiu o vento que ainda era só sugestão, chamou por Elena
que se manteve distante, soberana de seu lugar na janela,
sabedora de coisas que ninguém mais vê.
mexeu os dedos dos pés, não todos, alguns, mesmo com grande esforço,
parecem avessos a qualquer comando, como acontece, às vezes, com o coração,
mas não pensou nisso, na verdade tem praticado um misto de alegria e vazio,
mansidão e poesia, inspira-se eventualmente em Elena, no que acha que se
passa na sua cabeça felina, atenta e distante ao mesmo tempo. espelha-se
nela e jura não querer mais se enredar em paixões, enveredar por contas que
nunca fecham.
ao acordar percebeu que não era tão cedo, o frescor da madrugada já tinha
partido, havia uma ligeira brisa, um ar pesado e úmido, prenunciando vento,
talvez chuva. espreguiçou e moveu todo o corpo, exceto alguns dedos que
parecem ter uma existência própria e inerte, afastada de tudo o mais e
talvez sem significado, levantou e fez um café forte com gengibre. Elena
seguia empoleirada na janela, lambia as patas e voltava ao seu nada habitual.
um jeito nada de ser, pensou, invejando-a um pouquinho.
gostava de acreditar que Elena filosofava sobre coisas como ser ou não ser
gata doméstica, algumas vezes desaparecia por dias, sabia da possibilidade
de um dia ela optar por seguir outros destinos, pular num quintal, avaliar
que a vida em janelas é muito restrita, que prefere saltar por aí.
sentiria falta, claro, do mistério de ser de Elena, mas ainda assim
espreguiçaria pela manhã, faria café, manteria sua pequena horta livre de
mato, aguardaria com o coração leve os primeiros dias da primavera, a hora
de colher o brócolis, o alho poró, o tempo das jabuticabas.
ao acordar naquela manhã não percebeu nada diferente, a não ser o ligeiro
vento insinuando uma possível chuva, apenas levantou como sempre e seguiu
a agenda inscrita na pele dos dias.
estava lá, em algum lugar, o desejo de fazer pão. juntou os ingredientes,
limpou a bancada, abriu a janela onde Elena já não estava, abriu a porta por
onde Pingo entrou abanando o rabo de felicidade. Tão diversos: Elena e Pingo.
juntou a farinha, a água, o fermento, misturou aos poucos, brincando com as
formas que iam surgindo, virando, batendo, procurando a textura, o ponto,
o corpo ajudando o movimento das mãos. em seguida deixou a massa no canto,
coberta com um ligeiro pano. ela iria descansar e crescer.
ter como destino ser uma broa, um pão. Pingo se sabia cachorro ?. Elena sabia
sua natureza arredia, mesmo que fosse só por instinto. e ela, o que sabia
de si ? que no dia seguinte espreguiçaria e faria café e cuidaria das plantas
e zelaria pelo dia até que fosse novamente hora de dormir. E se um dia foi
como a massa que ao descansar cresce, já não era.
Há muito tempo permanecia do mesmo tamanho.
pra mim
se fosse pra mim
o recado o sonho o chamado
partiria agora
em uma nave especial
lotada de poemas e doidices
não esperava sequer o avião
(ultimamente a neblina tem atrasado
ou mesmo cancelado voos)
voltava a velha casa
tirava as asas do porão
pedia aos pássaros dicas sobre o caminho
saltava da Pedra da Gávea
e ia beirando as praias
até bater na sua janela
e com a ajuda dos amigos alados
fazia ninho no seu coração