fuga

mae-marsh-in-the-sands-of-dee1912

(mae-marsh-in-the-sands-of-dee – 1912)

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a moça que vê o mar
batendo na pedra batendo na pedra batendo
na pedra onde a moça se senta se senta
sessenta vezes por lágrima por dúvida por hora
o mar que vê a moça tão triste na pedra
e não sabe de onde vem o imenso desejo
de ficar junto a ela junto dela
e a moça suspira vendo o mar bater na pedra
bater na pedra bater tão duro na pedra
que aguenta a força do mar diário
a querer desfazê-la lapidá-la empurrar pra longe
a pedra que nem percebe a moça seu peso tão nada
tão feito de espera de espuma que o mar leva
quase a seus pés num esforço sobre mar de dizer
que a ama que a quer sem palavras só ondas
a bater na pedra bater na pedra
onde a moça se sente tão triste tão só
o mar a brigar com a pedra a bater com fúria
tentando erguer-se chegar a ela tocá-la
nem que seja por um instante uma onda
e ela sem suportar mais se deixa levar
escorregar pela pedra escorrer toda dor
apagar os dias virar mar virar

coisas banais? talvez

enforcado.

 diante dos últimos acontecimentos  tenho poucas opções, ou muitas. o  momento é importante, já  nascendo histórico, talvez não  convenha perder o mote ou  amotinar-se ou ainda cair em si,  envergar-se, avaliar percursos,  varrer pra não sei onde as asas dos  grandes voos.

 me detenho diante da tela desses  dias e cogito ir ao cinema ver um  bom filme sobre qualquer coisa que não seja corrupção ou guerras, caminhar na areia sem arrastão ou policiais de bermuda, não ir as passeatas agendadas contra ou a favor, onde multidões se amontoam, apoiando isso ou aquilo enquanto as cartas dos baralhos se misturam e não sabemos mais quem é o rei de espadas, a rainha de copas, o louco ou o enforcado.  posso também tomar sorvete, estocar pipoca, ruminar sobre as razões que levam pessoas a querer mais e mais e mais, sem saber nem mesmo o quê.

independente e mesmo indiferente a tudo isso minhas unhas continuam a crescer, apesar de eu roê-las quase involuntariamente. não tenho barba, quem a possui deve ter uma preocupação a mais, em compensação problemas a menos no enfrentamento do dia-a-dia já que seu lugar ao sol  é mais seguro ou definido há muito mais tempo. talvez. entre o universo masculino e o feminino há um território de angústias. muitas semelhanças, distâncias, incompletudes, talvez. talvez. acho muito pertinente entremear esta palavra em todos os pronunciamentos,  avaliações, sentimentos, pressentimentos, opiniões. não é ficar em cima do muro, mas perceber que também ele é movediço.

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talvez é um exercício da fantasia. sendo uma andorinha ao menos uma vez experimentaria voar só, talvez fizesse outono assim. saltando de paraquedas esperaria o último instante para abri-lo provando o sabor do risco e da possibilidade. se fosse um marinheiro desejaria morrer numa tempestade ou mergulhando fundo em mim. talvez. ou não.

pois pode muito bem um vento bom acariciar o rosto e brotar uma vontade de sorrir e abraçar pessoas. uma canção nova colorir um sonho antigo e dar coragem pra seguir viagem.

tocar o azulilás do entardecer, virar a página daquele velho romance, olhar o mundo de dentro de uma bolha de sabão pode não mais bastar. talvez.

a primavera na varanda dos dias, a vida que escoa na ampulheta de cada um de nós.

chuva mansa

jogo palavras cruzadas
acendo o fogo lembro de ti
sem levantar dor ou dúvida
me entretenho com a chuva
a escorrer na grande janela
.
vagueio por livros não lidos
revistas antigas
poemas por vir
me acomodo entre cobertas
enredada em distâncias
.
noite mansa
sem visitas ou surpresas
consulto oráculos
imaginários
e atiro palavras ao leu

boca poema

image by Ruzno Pace

Espero

Penso na vida

Resgato lembranças

Ouço músicas repriso cenas

Meu espaço está vazio

Porque você não fala comigo

Pego o carro

Sigo até a última praia

Escura perdida em mim

Fim de rota de linha

Puxo fios costuro a noite

Alinhavo questões escorregadias

Fumo viajo sorrio entristeço

É duro fazer o mesmo percurso

Agora sozinha

É noite e sigo sem notícias

Não entendo

Tenho medo de imaginar coisas

Poderia pegar outra estrada

Fugir deste enredo

mas ainda estou tomada

seus olhos a me penetrar

ainda sinto suas mãos

abrindo caminhos se/me revelando

sua boca na minha

que passa o tempo em que te habita

a balbuciar poemas