grão

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.

asilar-se

por alguns sóis

na força do deserto

na sombra pouca

do valor raro

do vaso etrusco

assombrar-se

na vastidão do céu

sem luzes ou cidades

dias sem lua

deixar-se tomar

pela imensa estranha

sensação de ser

um ínfimo grão

e ainda assim

ser tudo

lugar incerto

lugar

.

o céu está carregado

pode ser que chova

talvez um pequeno peixe dourado

salte do aquário nessa hora

não há o que fazer

os mortos saem a passeio

visitam-nos

batendo de porta em alma

trazem notícias

.

o silêncio está cheio de sons

mas não há tradução

nosso vocabulário é pobre

quando se trata do que não sabemos

e nesse lugar tão perto e longe

não há mapas dicionários ou manuais

só uma brisa

pouco mais que um sopro

ou mesmo um nada

lugar 2

san francisco

quero sem querer

algo iminente

irá acontecer

independente

de tudo

 

existe o aqui

aí talvez lá

nesse entre em que estou

já disse isso antes:

é só um suspiro

ou suspense

suspenso nas horas

que resvalam

 

tomo um café

rabisco anotações perfis

esboço meu susto

meu rosto

mil traços

quase

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fim de tarde
quando as possibilidades do dia
já se guardam
para um outro amanhecer
quem sabe?
.
entre as cores do céu
há uma que me esquece de mim
outra que me leva
onde sonhos se perdem
descalços numa areia distante
.
até os pássaros suspendem o canto
nos aquietamos aturdidos alertas
numa atenção perdida
aguardando o desfecho
da luta diária noite-dia
.
sabemos quem vence agora
e quem voltará vitorioso
no próximo round
queria eu também ter
certezas assim
.
fim de tarde
todos os seres suspiram nessa hora
é quase possível perceber (talvez acreditar)
no pulsar das veias nas confissões de amor
no fluir dos rios que nem sempre correm para o mar

quase
a noite ainda na sala de espera

cansaço

Foto Taylor James
(foto Taylor James)
.

eu queria fazer coisas com sentido, não, coisas que quebrassem o sentido
ditado pelo que já é posto, pelas forças cotidianas que nos fazem fingir
como se isso fosse o melhor de nós, queria matar um a um os meus medos
deletar passados, mostrar meus seios, abrir o peito e dizer sim ou dizer não
se fosse pra frear um trem descarrilhado, parar o tempo um dia antes
de um acidente rodoviário ou vascular, desfazer armadilhas, desatar

queria meu pensamento não tão disperso, intermitente, incontrolável
não me dividisse em dez, em mil, cada uma um olhar, um paradeiro
é difícil viver num planeta de espelhos por todos os lados
que não me repetem a mesma, não, ao contrário, me denunciam múltipla
diversa e ainda assim confinada a essa pele corpo roupagem

preferia não ter ido ao céu pois ele me deu a dimensão do inferno
se tivesse morado na Bolívia, não teria flertado tanto com o inimigo
batido tantas vezes na porta errada, assaltado noites frias
mas o tempo é isso, nada e tudo, um tambor de revolver
eventualmente vazio, potencialmente um tiro, um lugar escuro

está bem, não foi um bom dia, não queria, juro, incomodar ninguém
com essa minha poesia vômito, feita de sertões e dilúvios
verso que se desdobra, confessa e logo em seguida desdiz
passado, futuro, pretérito, conjugações numa língua difícil
onde cada verbo é um mundo ou mero sentido dúbio para uma noite mal dormida

céu imaginário

céu imaginário 2

 

 

jogaria tinta naquele céu de inverno onde as estrelas quase me cegavam de tanto brilho ainda que tudo que eu quisesse fosse deitar-me sob seu manto e dormir

.

protegida da vida, das coisas pequenas e das grandes, das possibilidades do amanhã e de tantas incertezas

.

se pudesse, como na tela do paint ou do fotoshop, pegaria o pequeno regador e jogaria no manto do céu todas as cores do cardápio

.

testaria o céu lilás o rubro o sépia

e pensaria em nós em cada cenário

cada cor um de nossos sets

cada nuance um capítulo diferente de nossa recente estória

.

e antes de dormir fecharia a tela sem gravar nenhuma alteração

porque o céu que guardo em mim

e que me protege com seu manto de estrelas

é aquele que sempre me viu por aqui