um livro se tecendo

de entranhas e vertigens

abarrotado de enigmas

ainda indecifráveis

tempo comendo tempo

fio puxando fio

abrindo feridas

cicatrizando outras

uma história e seu enredo

uma vida e seu epílogo

um trago uma arma

um pouco de sopa

outro tanto de sorte

o dorso nu do personagem

a embriaguez das primeiras falas

um livro se tramando

brotando de dias sem sol

de janelas entreabertas

a dura saga do protagonista

a odisseia do escritor

aguando

Agua

 

acordo com a força de uma ideia

rabisco o dia com carvão e lápis de cera

imito pássaros a passarar no céu anil

pratico ser algo coisa ou peixe

entardeço na preguiça do antes e do depois

perco os sapatos

no chão descalço desses dias

esqueço nomes mapas revelações

não há mistério que resista

a dias sem névoa

noites sem ressaca

e um mar imenso ao redor

pistas

siga sábado domingo segunda

pés descalços campo aberto

aproveite a conjunção dos astros

relembre a canção mais antiga

vá até o porto siga pistas

mas não dobre a esquerda

nem aposte tudo

em qualquer disputa

guarde força e vida

para depois

revisitar

sombra

.

há sons que transpassam os dias, chuva no telhado, sussurros, talvez lamentos vindos da madeira dos velhos armários. um galo distante na madrugada, goteiras na pia, rezadeiras em prece. ressonâncias, procissões, ressonares.

divido minha perplexidade em várias, o tempo passa e sigo me surpreendendo. sei que não deveria. mas suspeito que esse é um estado permanente. assim desde menina. ou mesmo antes de mim.

conecto-me, ou tento. religar, relicários. ingresso numa religião pré-pós-fim-do-mundo  e quase duvido dessa realidade que nos prende a matéria. penso nas marionetes, numa rebelião de todas elas.

uma coisa te digo, não é fácil ser profundo, nem profano. num mundo assim tão quase, tão clichê. essa palavra sempre me lembra chicletes. mas não quero me dispersar. difícil caminhar sobre pedras quando nem elas são concretas e assumem suas existências temperamentais. confesso. também sofro de turbulências e intempéries. por isso é sempre conveniente manter os cintos de segurança apertados.

costuro um sentido. na gaveta de bordados minha avó cochila entre um crochê e outro. ao lado dela um enorme carretel de linha crua, um outro de fino cordão dourado. as histórias se costuram sem pontos ou moldes premeditados, talvez sem futuro.

há gavetas para tudo, na maioria etiquetas explicam o óbvio, mas em algumas não posso entrar, acho que perdi a chave de uma meia dúzia. minha avó não pode sair da sua para me ajudar. não entendo uma palavra do que dizem os outros seres que por aqui passam.

tento prestar atenção na previsão do tempo para depois de amanhã. chove torrencialmente agora em algum lugar. nem todo avião cai mas todo voo é risco.   

capitulando ou fechando um capítulo ?

alinhavo uma história

quase possível, quase crível

como se não fossem irreais

as mais concretas, ainda que absurdas

histórias de guerra e/ou  de amor

.

fecho o capítulo

capitulo diante da madrugada

tomo uma taça de vinho

na varanda entre flores, duendes

pequenas árvores da felicidade

silêncios e alecrim

.

um dia isso tudo terá um fim

meu mínimo e precioso jardim

a  lagoa ali defronte

o guri triste a pedir ou roubar

a tia em sua inacessível viagem

e o velho amigo ao meu lado

amenizando marés e noites rasantes

.

não faz sentido esperar

o sucesso, o amor, seja lá o que for

fui a tantos mundos, passados futuros

tentei refazer alguns caminhos

mas não há chances

de se repetir qualquer lugar

.

por isso brindo

ao capítulo findo

de um inacabado livro ou dia

a essa noite fria ainda que bela

aos motivos que nos fazem amanhecer

e à vida, que é o que temos

ainda que nem sempre saibamos

exatamente

que fazer com ela

não esqueça de comprar uma nova agenda

by in-dissoluvel (tumblr)

reabrirei a agenda depois de 25 dias.

incrível, não fez a menor falta neste hiato pacífico e restaurador.

uso duas a cada um destes  últimos mais de vinte anos.

uma para assuntos do trabalho/sobrevivência que procuro cumprir à risca.

outra pras coisas de que gosto e que me incendeiam.

esta cumpre um papel maior: apazígua demônios, dá polimento à alma.

mais de quarenta agendas …

por quanto tempo alimentariam uma fogueira ?

por algumas horas se transmutariam em luz e algum calor

e ao fim poucas cinzas aguardariam um leve vento

para se dispersarem por completo.

.

vida subnutrida essa.