paralelas

lua-e-estrelas
.
Fizemos uma festa
Não exatamente uma festa
Pois a convidada principal
Não poderia estar presente
Ainda que tomasse tudo e sorrisse

Caminhamos na praia
A lua e as estrelas brilhavam sem cachê
Por pura vontade de existir
Em sintonia com o universo

Vi uma estrela cadente
Fiquei feliz ainda que o coração partido
Pedi nada e ao mesmo tempo tudo
É sempre assim na aflição de responder
Em um segundo qual o nosso especial desejo

Neste momento o desejo maior
Não poderia ser satisfeito
Tem coisas da vida que não tem direito
A retoques ou correções

O céu estava lindo de doer
O mar brando ia e vinha em seu eterno repetir
Formávamos um grupo inusitado
Em nenhuma outra circunstância
Estaríamos ali juntos

Pés afundando na areia passos sem motivo
Enquanto uma estrada paralela e clara se desenhava
E nossa amiga seguia por ela
Ao som de pássaros e violinos

(para Denise)

viagem

Não durma demais nessa hora
o tempo passa
o trem descarrilha
a morte enlaça

Não volte tarde
não vague madrugadas
o sono é sábio e sonha por você
a noite inteira

não acorde nem mate o monstro
que vigia a casa
mas tenha sempre perto da porta
a trivial bagagem
se a viagem for intempestiva e obrigatória

durma e descanse
pode ser a hora
pode ser que seja tempo
de virar a mesa mudar a rota
saltar às cegas para um novo mundo

recomeçar pode ser o fim
morrer pode ser depois
deixe sempre por perto
a velha carta dos sonhos
e o passaporte válido

sombra

Vou

não sei de onde

pra onde porquê

estou rondando

uma sombra

que me ronda

indo sem ir

vaga onda

por um vento leve

uma brisa um nada

como alguém

que acorda

dentro de um sonho

prisioneira

algo de bom

feche os olhos

nesta varanda

as flores não vão

te deixar morrer

.

ouça o barulho do mar

entoe uma cantiga

conclua aquele pensamento

fugidio

.

confie

rasgue a carta de adeus

a bula do remédio chamado certo

.

relaxe

algo de bom

vai acontecer

.

repare no broto de girassol

em instantes

a casca da semente

vai se romper

.

os seres invisíveis

estão aqui

feche os olhos

para vê-los 

.

as flores sorriem

porque você veio

por você

quase

DSC09420

fim de tarde
quando as possibilidades do dia
já se guardam
para um outro amanhecer
quem sabe?
.
entre as cores do céu
há uma que me esquece de mim
outra que me leva
onde sonhos se perdem
descalços numa areia distante
.
até os pássaros suspendem o canto
nos aquietamos aturdidos alertas
numa atenção perdida
aguardando o desfecho
da luta diária noite-dia
.
sabemos quem vence agora
e quem voltará vitorioso
no próximo round
queria eu também ter
certezas assim
.
fim de tarde
todos os seres suspiram nessa hora
é quase possível perceber (talvez acreditar)
no pulsar das veias nas confissões de amor
no fluir dos rios que nem sempre correm para o mar

quase
a noite ainda na sala de espera

fronteiras

fiz um livro chamado fronteiras, levei-o comigo a muitos lugares

na tentativa de delimitar, ou melhor, deslimitar meu mundo

deixei-o entre espanha e portugal no exato ponto em que me disseram

aqui é um, ali é outro país, embora não tenha notado qualquer diferença

outro está perdido entre mato grosso e bolívia

onde pode parecer que é só um fim de mundo e não dois

em outras fronteiras neste mesmo Brasil ou longe dele,

e, os que não deixei, queria ter deixado (e por isso lá estão)

e continuo espalhando-os por aí

e dentro de mim, indefinidamente.

em alguma estação

by in-dissoluvel (tumblr)

by in-dissoluvel (tumblr)

em um lugar improvável

tenho o dia inteiro vazio

e me debruço sobre ele

sobrevoo árvores flores

bebo orvalho sorrisos

e aproveito para conversar

com um pássaro muito distraído

que não percebe que sou gente

.

de algum remoto firmamento

as estrelas caem

e fazem pedidos por nós

em um certo lugar distante

estou sempre mesmo sem estar

vou e volto a todo instante

conto dias horas de voo

sonhos recuperados de antigas enchentes

.

em imprecisos momentos

me detenho e pergunto ao tempo

se um dia terei sossego

ele já nem responde

cansado de minhas incongruências

sabe que fio desfio

e recomeço em outro tear

vê embora não compreenda

quantos caminhos trilhei

e o trabalho que deu

apagar tantas pistas

.

mas não é missão do tempo entender

ele só tem que passar

como um velho e persistente trem

que devagar segue seus trilhos

e quem quiser que vá com ele

 

fabulando

“Jetta” by Seamus Conley

Somos feitos de inúmeras teias
terras, afetos e abandonos
a infância é fábrica de sonhos
lendas e fabulações
a adolescência é descoberta
insensatez, queda livre e busca
de códigos que esclareçam o mundo
mapas para inserir-se nele

O tempo – esse espanto –
vai nos mostrando
a metamorfose que somos
o terreno sempre movediço
a cronologia dos sonhos
as ruínas dos planos

E o sentido de tudo ?

Tudo é sempre viagem

. . .

Nem tanto nem tão pouco

O que quero dizer com isso ?

Não faço a menor idéia

Vou cerzindo um tecido turvo

Desfalcado de partes e de sentido

Me pergunto várias vezes

O que vim buscar aqui.

Não respondo

Mesmo que quisesse

Ou que pudesse, não o faria

O funcionamento desordenado de tudo

Acalma meu próprio caos

Minha atenção dispersa

Confunde-se com a multidão.

Me encanto e desespero com a impossibilidade

Não consigo entender

Não posso julgar

Não ouso respostas

Sem compromisso ou propósito

Colho imagens singulares.

A máquina fotográfica se interpõe

Me aproxima do real e me protege

Entre zooms e distanciamentos

Ela captura o que extrapola meu entendimento

E no quarto escuro da minha noite/perplexidade

Nada se revela.