em algum lugar um cão

em algum lugar

Um cachorro late. Pode estar preso ou ter medo do escuro. A casa sem luz e sem sustos. Presto atenção ao arranhar no telhado, pode ser de um morcego, pássaro ou o vento abrindo passagem entre as frestas que o tempo vinca nas paredes. Pode ser também uma lembrança, mas prefiro esquecer. Tudo é quase jeito de fingir não ser. E como não dou atenção aos ruídos eles cessam. Então resta só o cachorro arrastando seu latido pela noite.

O cão para de latir e não sobra nada. Vazio e silêncio se beijam e não há como intervir ou modificar este estado de coisas. Só observar o nada, tocar e ser tocado por nada. Prender a respiração. Quase implorar ao cão preso em alguma brecha entre a porteira e a escuridão que volte a latir.

Mas se a boca da noite fez dele um vigia desejante de outros abismos só me resta gritar. E voltar a respirar.

insone

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.

a noite passeia

por corredores

de casas estranhas

hotéis sem estrelas

hospitais abandonados

sem paz

a mente vaga

repete cenas

alimenta dúvidas

sem trégua

o corpo desiste

exausto o sono chega

mas não acolhe

chuva mansa

jogo palavras cruzadas
acendo o fogo lembro de ti
sem levantar dor ou dúvida
me entretenho com a chuva
a escorrer na grande janela
.
vagueio por livros não lidos
revistas antigas
poemas por vir
me acomodo entre cobertas
enredada em distâncias
.
noite mansa
sem visitas ou surpresas
consulto oráculos
imaginários
e atiro palavras ao leu

lunar

no mundo da lua
às vezes atrasada aos fatos
outras chegando tão antes
que não vislumbra o depois
longe longe
lugar branco de silêncio e azul
alhures
habitante que se confunde
intercósmicas estradas
pontes pênseis
sustentadas por sonhos
lua clara noite
um rosto risco no escuro
vagas ondas
nuvens de espuma
que se desmancham
lunares
ares
areias

quase

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fim de tarde
quando as possibilidades do dia
já se guardam
para um outro amanhecer
quem sabe?
.
entre as cores do céu
há uma que me esquece de mim
outra que me leva
onde sonhos se perdem
descalços numa areia distante
.
até os pássaros suspendem o canto
nos aquietamos aturdidos alertas
numa atenção perdida
aguardando o desfecho
da luta diária noite-dia
.
sabemos quem vence agora
e quem voltará vitorioso
no próximo round
queria eu também ter
certezas assim
.
fim de tarde
todos os seres suspiram nessa hora
é quase possível perceber (talvez acreditar)
no pulsar das veias nas confissões de amor
no fluir dos rios que nem sempre correm para o mar

quase
a noite ainda na sala de espera

noite1

escureceu

adivinho o céu

ouço os multifacetados

acordes do silêncio

respiro o cheiro de mato

alinhavo o dia

me aquieto

aos poucos me transmuto

bicho quieto e manso

que ora sou

ora me consome

revisitas

by in-dissoluvel (tumblr)

Acordarei amanhã

que hoje já é tarde

há estrelas lá fora ?

uma ou duas luas  ?

dinossauros, bem sei

já não há

.

Saio sem medir cansaço

a areia de repente sob meus pés

não sei se fui a praia

ou ela, já velha amiga

veio bater a minha porta

.

Sinto o vento bater em meu rosto

efeito do vinho que não bebi

ou das palavras que engoli em seco?

Speeding Limit (cacá)

Como a Vânia é ocupada demais para fazer o primeiro post, eu, Cacá vou postar aqui algo de minha autoria para a inauguração.

Speeding Limit

I had a hole future up ahead, but I lost the last exit, now I’m just driving. Driving, heading to nowhere, no place to go, no place to come back to. I lost my home, I lost my dreams. Now, it’s me and the unknown road. It’s raining. But I don’t care anymore, it’s me and nothing. I can’t feel a thing beside this emptiness. Me and the dark … unknown road.

I turn off the lights.

I close my eyes.

Waiting for the next curve, that I won’t see.

It’s dark and silent.

Please come now my last curve.

Cacá Osório

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Para aqueles que não entendem inglês, aqui vai a tradução.

Eu tinha todo um futuro à minha frente, mas perdi a última saída, agora apenas dirijo. Dirigindo, indo para o nada, nenhum lugar para ir, nenhum lugar para voltar. Perdi minha casa, perdi meus sonhos. Agora, sou eu e a estrada desconhecida. Está chovendo. Mas eu não me importo mais, sou eu e nada. Eu não sinto nada além deste vazio. Eu e a desconhecida e escura estrada.

Desligo os faróis.

Fecho os olhos.

Esperando pela próxima curva, que não verei.

Está escuro e silencioso.

Por favor, venha agora, minha última curva.

Cacá Osório

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