Um cachorro late. Pode estar preso ou ter medo do escuro. A casa sem luz e sem sustos. Presto atenção ao arranhar no telhado, pode ser de um morcego, pássaro ou o vento abrindo passagem entre as frestas que o tempo vinca nas paredes. Pode ser também uma lembrança, mas prefiro esquecer. Tudo é quase jeito de fingir não ser. E como não dou atenção aos ruídos eles cessam. Então resta só o cachorro arrastando seu latido pela noite.
O cão para de latir e não sobra nada. Vazio e silêncio se beijam e não há como intervir ou modificar este estado de coisas. Só observar o nada, tocar e ser tocado por nada. Prender a respiração. Quase implorar ao cão preso em alguma brecha entre a porteira e a escuridão que volte a latir.
Mas se a boca da noite fez dele um vigia desejante de outros abismos só me resta gritar. E voltar a respirar.
Adorei o miniconto. O título então, que lindeza. Essa prosa, em que a poesia viça, é que me encanta. A solidão aí amplifica o seu grito de desamparo. Posso tirar uma frase daí para epígrafe?
Parabéns!
Só vi sua mensagem agora. Obrigada pela leitura. Fico feliz que tenha gostado. Pode usar sim, sem problemas.
Abraço