Luto animal

No dia em que o marido partiu

Ela levou o cão ao veterinário

Acreditando que de tão apegado

Adoeceria

O veterinário o examinou

Receitou vermífugo e vitaminas

– Não seria prudente um tranquilizante? –

Ela disse, quase implorando

– por conta da ausência, o senhor entende?

Ele, pouco dado a sentimentalismos, disse apenas

Que não tratava de humanos

.

Ela voltou para casa

Chamou-o pelo nome do marido

E deixou, pela primeira vez,

Que dormisse no quarto bem junto a sua cama

Logo ela, que sempre impôs distâncias

em algum lugar um cão

em algum lugar

Um cachorro late. Pode estar preso ou ter medo do escuro. A casa sem luz e sem sustos. Presto atenção ao arranhar no telhado, pode ser de um morcego, pássaro ou o vento abrindo passagem entre as frestas que o tempo vinca nas paredes. Pode ser também uma lembrança, mas prefiro esquecer. Tudo é quase jeito de fingir não ser. E como não dou atenção aos ruídos eles cessam. Então resta só o cachorro arrastando seu latido pela noite.

O cão para de latir e não sobra nada. Vazio e silêncio se beijam e não há como intervir ou modificar este estado de coisas. Só observar o nada, tocar e ser tocado por nada. Prender a respiração. Quase implorar ao cão preso em alguma brecha entre a porteira e a escuridão que volte a latir.

Mas se a boca da noite fez dele um vigia desejante de outros abismos só me resta gritar. E voltar a respirar.

e agora?

Descobriram
que as placas de proibido entrar
querem dizer o contrário
e que atrás da porta
em que se lê cuidado com o cão bravo
esconde-se um animal ferido