deixei cair
o livro a flor o cajado
subi morro
dormi aqui ali
vi um cão morto
senti o vento
pressentimento bom
subi uma encosta
desci beirando rio
acho que vi um anjo
sorriu pra mim
um pássaro
voou alto
outro pousou
nessa dorzinha antiga
que não me deixa
POEMAS
e agora?
Descobriram
que as placas de proibido entrar
querem dizer o contrário
e que atrás da porta
em que se lê cuidado com o cão bravo
esconde-se um animal ferido
?
Por que ontem era ainda cedo
e hoje já é tarde demais?
olhos de mar tardio
mando em cópia
um currículo pródigo
um número de telefone inventado
mudo de endereço sem avisar
e fujo pro entardecer perto do mar
é tão lindo que dói
suspende o fôlego
rasga certezas
um dia desses tudo isso vai acabar
talvez a paisagem nos perceba
como breves caminhantes
de um imenso cenário
nós – em rápidas pinceladas
vamos vivendo
o personagem que nos cabe
a tarde avança
e o mar segue
por terras distantes
olhos e sonhos
pousando numa linha
horizonte
ontem

.
ontem te vi passar
nevava muito em Nova York
às seis da tarde já escuro
eu nem estava lá
você tampouco
.
seu sobretudo azul
cheio de gomos brancos
pensei te convidar
pra fazermos um boneco de neve
.
então sorrimos e nos abraçamos
mas isso foi ontem em Nova York
onde nunca houve
eu e você
passa boi passa boiada

(miró)
.
caminho por entre estranhos
tirando fino da sorte da dor
das notícias e do tédio
passo noites em claro
digerindo o óbvio
dirigindo uma história
um pouco drama um pouco farsa
na falta do que ser sou poeta
fujo do sério passo do severo fuso
de cabeça pra baixo me sinto melhor
o sangue desce as ideias gozam
a hora invertida me dá tempo de sobra
e da janela do meu quarto
fincado num alto prédio
fico a ver navios e trens
maria-nuvem maria-fumaça
(do livro fronteiras)
luz
vou dormir
já que a luz se foi
e na escuridão
seres indefinidos
podem surgir
sem aviso
melhor aquietar-me
debaixo do cobertor-caverna
encolhida como todo animal pequeno
diante de grandes ameaças
e aguardar o amanhecer
pois os personagens vagos e provisórios
se desmancham aos primeiros raios de sol
água
pé no chão
caminho ao seu lado
pés descalços em terra batida
o céu cinza em vésperas de noite
o silêncio pondo em relevo
nossa respiração
sabemos que dias assim são presentes
que o universo nos dá
nossas mãos entrelaçadas
trocam calor dados impressões
por que não nos vimos antes ?
quase pergunto
mas prefiro sorrir
deixar a noite chegar
sem certezas ou dúvidas