Dá pra fazer silêncio aí?

É cedo, mas vou dormir, apagar a mente após virar e desvirar notícias, crimes, guerras, horrores. É fácil para mim dormir (mesmo que de fato não seja), as bombas estão explodindo longe, tenho comida na geladeira e não falta água, nem chove muito e mesmo que chovesse, não moro na beira de um barranco ou rio.

É cedo e poderia sair, ir as ruas cheias de gente sem máscara, beber e rir, mas me pergunto de quê.  Fazer exercício numa academia com ar-condicionado gelando os ossos e música atropelando os sentidos. Ou caminhar na praia, mesmo que olhando para os lados e sem usar relógio, celular ou tênis caro.  Isso. Poderia sair, ainda que com medo. Mas isso é tão pouco, tão ínfimo que dá vergonha sentir esse medo e essa aflição comparado ao que se passa lá fora.

É cedo e vou dormir, carrego comigo um pouco de vergonha desse nosso país sem memória ou caráter, um monte de notícias para separar o que de fato é ou o que é invenção, e sendo invenção o que é para desconsertar, o que é para incitar, sei lá. Separar joio do trigo… ainda mais agora que o trigo está tão caro ou separar palha de arroz e cevada do grão de café, já que o café puro é para exportação. São tantos assuntos, tantas palavras.

Vou dormir e não tentar entender como alguém espanca até a morte um outro por nada, como gente se arrisca a morrer na fronteira do México em busca de um sonho. Ou ver notícias e filmes de gente que pode ir para onde quiser com seus vistos gold, cheios de ouro para garantir a vida em qualquer lugar do mundo ou mesmo em outro planeta.

É cedo, pode ser que amanhã seja apenas um dia a mais com bombas concentradas na Ucrânia, extermínios aqui e ali. Pode ser. E isso nos garante mais um dia. Vou dormir cedo e se amanhã ainda houver amanhã, espero que possa haver um acordo, um mínimo de humanidade no coração de todos. É cedo e vou tentar apagar a mente, desligar e aguardar passiva e impotente que decidam apertar o botão e terminar com tudo ou seguir assim, matando pelas beiradas.

Quero dormir, já fechei tudo, nenhum ruído de fora.

Mas esse falatório… não para.

Ei!

Dá pra fazer silêncio aqui?

Violentar o silêncio

Desafi(n)ando

Vieram as fiandeiras

Com seus grandes mantos

A cantar mandingas

Atropelaram o século XXI

Com crucifixos e velhas espadas

Seitas e perseguições medievais

Tudo isso revelado instantaneamente

Nas redes sociais

Tudo colorido e frio

Como num disputado game

Onde cabem fotomontagens

Crimes ortográficos

E atentados à toda lógica

Fora das redes

Entre as grades da miséria

E jogos de guerra

Jorra sangue de verdade

quadratura

 

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estou um pouco sem palavras

diante do ódio o que dizer?

estamos todos um pouco mais ocos

o eco de tantas tragédias ensurdece

compromete estruturas

já um pouco frágeis

.

um pouco mais cética

assustada

onde acontecerá e quando

o próximo ataque ?

de lama bombas ódio medo ?

e para onde ir?

abrigo debaixo da terra

passagem pra Marte

nova guerra contra tantas guerras?

.

sem palavras

sem ação

e na ampulheta

o tempo

se esvaindo