Era para ser um acontecimento, um reencontro depois de alguns meses, marcado com alguma antecedência. Cada um falaria um pouco, alguma viagem, fato engraçado, tudo acompanhado de variados pães e iguarias trazidas por todos e um bom vinho que encontros assim merecem um brinde.
Mas foram caindo mensagens, um não viria por conta da gripe, outro por trabalho, outro ainda em viagem e lá se iam os gatos pingados de nossa festa. Me senti um pouco roubada, confesso, afinal tinha vindo de longe e estava cansada. Comemos pães quase sem recheio, já que estes viriam com quem não veio. Uma só garrafa de vinho, que foi suficiente para o quorum tão diminuto.
Estabelecemos logo de início um acordo: não falaríamos de política. Uma decisão sábia, pois havia no pequeno grupo prós e contras ao impeachment e suas inumeráveis nuances. Isso me deu algum alento, afinal não tínhamos nos degolado uns aos outros por termos opiniões diferentes, como tem ocorrido ultimamente nas melhores famílias. Conversamos um pouco de tudo e nada, como sempre chegamos ao nosso tema recorrente: algum novo escrito? Projetos de novos livros?
Com certeza não estávamos nos nossos melhores dias, enveredamos para as dificuldades de sempre, a falta de leitores, a constatação de que no mundo globalizado todo mundo escreve mesmo que nada leia. Qualquer um a qualquer hora em qualquer lugar. O português assassinado aqui e ali, os muitos defensores de que o que importa é dar o recado, os muitos “recados” dados nas redes, nos bares, ininteligíveis às vezes, muitos cifrados, endereçados apenas aos iniciados.
E como se não bastasse o quase enterro da nossa língua e a sensação de que escrever é como atirar pedras num cão fictício, levantamos outra questão ingrata: se vale a pena publicar e o que vem a ser o famigerado sucesso. Sucesso é número de leitores? Crítica no jornal? Ser Global? Vale a pena consultar um guru? Contratar uma agência de publicidade?Qual a receita?
Só de pensar em participar de todos os eventos, nem tanto por interesse mas pela visibilidade, escrever para mil blogs, mandar textos para umas tantas revistas vai me dando uma preguiça. Outro de nós logo assume sua incapacidade para fazer umas tantas coisas, embora em outras consiga se sair bem. E a conversa vai se arrastando enquanto comemos pães, agora já com novos acompanhamentos trazidos por quem chegou mais tarde. Ainda assim somos poucos e estamos, de fato, um tanto abatidos.
Me despedi pouco depois, mais cedo do que costume. Na mesa, entre os pães, esticada e fria, a esperança. Não me voltei, abracei os amigos e desci no elevador metálico e frio.
Pode ser que esta seja uma leitura oblíqua, tendenciosa de minha parte. Vai ver que minha indisposição, que poucas horas depois constatei ser início de uma gripe, trocou as lentes do meu óculos sem aviso e vi tudo nublar.
Mas como nada é para sempre e sempre pode durar um instante, já no carro tocou uma música legal, bom ritmo, uma letra interessante e a noite não me pareceu tão avessa.
O amigo escritor, por sua vez, foi caminhando pra casa. É longe, mas nem tanto. E numa esquina encontrou o Tigre, amigo velho, e não teve jeito senão entrar num bar e tomar alguns chopps de prosa. Tigrão, disse depois rindo, só você mesmo pra varrer de mim um certo não sei o que.
Outra amiga pegou logo um taxi que apressada iria prestigiar o filho, ou seria o primo?, em algum evento. Do nosso desencontro casual, sequer lembrou mais.
A anfitriã, bem, para esta a coisa devia ser mais complicada. Fechando a porta pensou nos pratos, talheres e taças por lavar. E ainda teria de tirá-los da mesa e encarar a pobre esperança totalmente desesperançada. Foi fazendo tudo devagar, metodicamente tirou os pratos, levou pra cozinha e então lembrou algo precioso que ajudou a relaxar. Levando as taças para a cozinha, bateu uma na outra, um brinde, disse, a faxineira que vem amanhã e me livra desse fardo. E teve um insight. Poderia tentar explicar que o som das duas taças se chocando lembrou um sino que ouvira outro dia ao passar na Rua da Alfândega… Mas de fato apenas correu pra finalizar um desenho que começara no dia anterior.
Na manhã seguinte, bem cedo, ouvi uma notícia fantástica: tinham enfim dado baixa na infame carreira de uma das maiores aves de rapina de nossa política atual – o Cunha.
Não é que até minha gripe deu uma melhorada?
Me arrumei e saí para o trabalho. Como de costume conferi de cabeça o que poderia ter esquecido. Dessa vez nada, pensei. E abri o portão a tempo de ver passar a Esperança. Lá ia ela toda animada outra vez.
Querida, seu texto me tocou. Triste por ser personagem desse desencontro. Tanta coisa a ser revista para que não percamos os laços que nos nutrem e fortalecem em tempos de tanto desalento. Vocês, essa família de eleição, são muito importantes para mim. Desculpe por ainda dessa vez ter me deixado atropelar pelo trabalho. Quero reinventar uma vida com mais tempo para o que tanto vale a pena.
Só poderia levar ao encontro desalentado tosse, cabeça pesada e corpo mole. Minha esperança quase imbatível não poderia comparecer. Mas nada como um dia depois do outro. Espero que venha um novo encontro com muito recheio para os pães e os corações. Um encontro com projetos. Afinal, esses encontros são fundamentais para mim.
Vamos marcar o próximo, com todos presentes e fazer juntos uma nova crônica.