
image by in-dissolúvel (tumblr)
queria dizer o que as palavras não exprimem
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queria dizer o que as palavras não exprimem
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image by tumblr
ainda que se demore olhando vitrines ou tomando café
pensando que está em Paris ou Aldebaran sabe que voltará
baterá na mesma porta e na mesma tecla dessa melodia triste
refrão cansado de nada inovar
ainda que compre um passe de livre trânsito por todo o país
em seu íntimo não há espaço para mais que um pensamento
que vai e volta engarrafado em si mesmo obsessivo como só
ainda que tente castelos de areia sem fim
eles se desfarão à primeira brisa ou onda
ainda que percorra o mundo inteiro
o que te motiva é o não encontrar
(do livro fronteiras, sette letras)

picture by Shutter wide shut (flickr)
Não quero ver ou ouvir, nem ir além
a bolha estourou, que mundo é este ?
tenho vertigem do mais, medo do menos
pratico delírios, saltos mortais (que adio)
viajo por lugares não cadastráveis
quem se aproxima de mim ?
por que ? com que objetivos ou faltas ?
me perco aqui e ali
desvio, troco de rumo
mudo de opinião e de casca
transmudo, quase me calo
em que momento perdi minhas asas ?
apenas caíram ou derreteram sob o calor
de um outro corpo ou paixão ?
às vezes me quase acredito
aceito ilusões fáceis a módicos custos
mergulho em águas turvas e só depois vejo onde fui
preciso de ar, de asfixia, de algo sem nome
do alto da montanha imagino o salto
o silêncio, entrega, a liberdade de ir além
não quero saber, sentir já é dor e prazer
descarto os caminhos conhecidos
me levaram a becos sem saída
descarto também os trilhos seguros
não sei viver pequenos bocados, me enfastia
não quero ser triste ou pouco
desfiando histórias que mal me cabem
queria que a lua cheia sorrisse
mas só a nova faz isso e inicia novo ciclo
entre o barco e o porto distâncias se costuram
o leme de tantas viagens, como um galho seco, partiu-se
a bússola sem norte ou sul é apenas objeto decorativo
na sala onde coleciono vazios
são frágeis os planos para evacuar os estádios
multidões de pensamentos invadem o cenário
vozes e demônios sobem ao palco sem cerimônia
não tente entender este relato
não há nele palavras-chave, começo ou fim
estou enredada no meio, destecendo e cerzindo
não posso mais inventar destinos, traçar perfis
estilhaçar meu próprio sentido tão desprovido de si mesmo
pouco me importam as receitas
as opiniões que os sóbrios possam ter de mim
os meus desejos, os caminhos que fiz ou planejei
fizeram-se/me pedaços, vagos, factuais, fumaça
são tolos todos os versos
e inocentes as juras de amor
a nau dos meus sonhos perdeu-se
entre tempestades e calmaria
paixão e precipício

image by Alastair Stockman
não posso dizer que te espero
tão pouco que esqueci de ti
carrego todos os dias um peso
um monte de coisas por dizer ou fazer
uma pressa de quem não tem absolutamente nada depois
medo do deserto, medo do desejo
você iria comigo ao fim do mundo ?
confesso que te deixaria no caminho
alheia ao seu chamado ou não
entretida com algum atalho ou erro
sempre me perco
pelo sim ou pelo que calo
sigo alguém em mim
não sou eu, juro
não fui eu quem te disse tudo que disse
(nem o que você amou em mim)
não fui eu quem rasgou a carta sem ler
ou virou as costas sem ouvir as explicações
não havia mais espaço ou tempo para elas, concorda ?
há um tempo, que parece eterno, onde vamos levando
levando a vida, as brigas, os silêncios,
mas em algum momento, curva ou crise
a última gota faz transbordar a represa
o último oásis faz o deserto assolar o mundo
e parece que tudo aconteceu de repente
tolice, o presente começa lá atrás
e vai arrastando com ele todo o futuro
o que sonhamos, o que desejamos,
o que parecia ser tão certo.
você gostaria de voltar, tentar de novo ?
esta aí uma pergunta que nem tento responder
seria como desmanchar um casaco de crochê
para refazer ponto a ponto
talvez ficasse melhor
mas a marca do anterior estaria ali
denunciando a dor antiga e o desespero novo
a esperança e sua parceira
a noite e sua sombra escura
o sonho e seu pesado elo com a realidade
por isso ou por nada é que calo
não te digo o que penso
e se dissesse não entenderia
guardo as palavras atrás do armário
os sonhos entre as fotos de criança
e minto para mim todo o tempo
invento passeios no fim da tarde
abraços em corredores escuros
invento ondas e areia
tomo sol num dia inventado
furo ondas que são puro pensamento
velejo num barco de cores e traços
naufrago num céu azul anil
durmo e acordo numa cama estranha
e me toco na ânsia de saber de mim
se eu gostaria de reescrever esta história?
acho que sim, mas não tenho coragem, ou força, não sei
você reescreveu qualquer coisa ao falar do seu passado?
tenho medo de voltar
morro de medo de ter sido pior do que já sinto
ou de, ao chegar lá, não conseguir sair.
Entre as mãos o peso do fato
Nos pulsos o último grito
O susto refletido na poça de vermelho vivo
Como sobreviver num mundo sem respostas ?
Este é um mapa,
feito de descaminhos e distâncias
É fascinante e fácil perder-se nele.

Mar ou ar
Flor ou cor ?
O que importa se ao te ver
Caem por terra todas as minhas convicções ?
Tudo que defendo ou nego fica pequeno
E eu me vejo
Paralela ao mundo
A traçar diagonais e círculos
A falar pelos olhos
A olhar em silêncio
Evitando chegar tão perto
De onde não seria mais permitido
A mim ou a você
Partir ou chegar
Somos feitos de inúmeras teias
terras, afetos e abandonos
a infância é fábrica de sonhos
lendas e fabulações
a adolescência é descoberta
insensatez, queda livre e busca
de códigos que esclareçam o mundo
mapas para inserir-se nele
O tempo – esse espanto –
vai nos mostrando
a metamorfose que somos
o terreno sempre movediço
a cronologia dos sonhos
as ruínas dos planos
E o sentido de tudo ?
Tudo é sempre viagem
Um tempo sem pressa
nos comboios que levam
para algum lugar sem precisar qual
o caminho se faz ritmo
nos trilhos a segurança
de um percurso sólido
ainda que sem motivos
É impossível conter a estranheza
de um sentimento quase nostálgico
sem saber do que
a viagem beira o rio
um rio imenso que rega a terra
a terra áspera que marca o homem
que ali vive com sonhos tão próprios
como a paisagem que avisto
imagem colada na retina
irá com ele aonde ele for
ficará guardada por tantos anos
quantos for preciso para lá um dia voltar
E eu, passante por esta e outras vias
atravessando-as com minha perplexidade curiosa
deixo-me marcar pela força da região
que passa a existir um pouco em mim
somada a tantas outras – histórias de homens e de lugares
um passado puro rastro