POEMAS
E quem quiser…
Cansei de fingir felicidade
Usar proparoxítonas e saltos altos
Quem quiser me ver
Terá que atravessar a esquina
Desviar disso e daquilo
Tropeçar na dor
Cair na real sem anestesia
E comigo tatear o escuro
Grafitar muros
E (não) pedir socorro
Esquecimento
Lembro do cheiro
Da voz
Do toque
Mas já não sei
De quem
Investigando
Não há nada sobre nós
Nenhum vestígio
.
De tudo se é que houve tudo
Não sobrou nada
.
Uma cidade que submergiu
Ou virou pó num terremoto
.
Melhor assim
Sem histórias para levar
.
Pesadelos ou sonhos
Nem mortos ou vivos
.
Nada a esconder no vão em que repousam
Os anjos que não vingaram
Violentar o silêncio
Desafi(n)ando
Vieram as fiandeiras
Com seus grandes mantos
A cantar mandingas
Atropelaram o século XXI
Com crucifixos e velhas espadas
Seitas e perseguições medievais
Tudo isso revelado instantaneamente
Nas redes sociais
Tudo colorido e frio
Como num disputado game
Onde cabem fotomontagens
Crimes ortográficos
E atentados à toda lógica
Fora das redes
Entre as grades da miséria
E jogos de guerra
Jorra sangue de verdade
frágil

às vezes você quer me ver e não consegue
ainda que eu esteja bem diante do seu nariz
é que qualquer barulho me assusta
e muitas vezes me ausento
deixo o corpo presente
(como os mortos fazem tão bem)
e mergulho em mim
vou tão fundo que escapo
e o caminho de volta
é uma linha frágil que liga
o Tempo ao tempo
aqui
ali
lá
cárcere privado

.
parto com minha insólita bagagem:
você que preciso enterrar
a passagem só de ida
me desvencilhando deste fardo
não precisarei voltar
abro a cortina dos dias
depois de tanto tempo
presa a sua loucura
foragida de mim
difícil distinguir
o que é fato do que é medo
ainda assim me esforço
estilhaço o espelho que nos assemelha
me desenlaço desenredo desinvento
e recomeço
cotidianamente
faço como aquela chinesa
que sai todos os dias
pequenos passos
sem falar ou sorrir
saudades do outro mundo?
.
vago pelas ruas
da cidade pequena
que se esconde na grande cidade
e na areia fina
de uma praia simbólica
.
a passos miúdos
costuro palavras-pensamento
enquanto procuro
meu sapato de salto
que afundou na lama
de um anteontem qualquer

me atraso
agarrada aos contos de fada
que aliviavam a solidão da infância
e imito a chinesa
que volta ao fim da tarde
.
retira sua pele branca
sua fala não dita
seus pezinhos macios
abre a porta ou a página
e parte para dentro do fora
ou para agora nunca mais
entre chegar e partir
procurar bem perto e ao redor
a chave o fruto maduro
o cerne da questão
e fazer o pão
amassar o trigo
amansar a noite
com mil e uma lendas
acerca do tempo e do amor
acompanhar o próprio enterro
certo de que fez aqui
tudo que lhe coube
e se não fez mais
é porque não soube
ou não pode
neste curto longo espaço
entre uma curva
e o depois
