Luto animal

No dia em que o marido partiu

Ela levou o cão ao veterinário

Acreditando que de tão apegado

Adoeceria

O veterinário o examinou

Receitou vermífugo e vitaminas

– Não seria prudente um tranquilizante? –

Ela disse, quase implorando

– por conta da ausência, o senhor entende?

Ele, pouco dado a sentimentalismos, disse apenas

Que não tratava de humanos

.

Ela voltou para casa

Chamou-o pelo nome do marido

E deixou, pela primeira vez,

Que dormisse no quarto bem junto a sua cama

Logo ela, que sempre impôs distâncias

dias de sol

sol

.

amanhã será outro dia

e ainda assim esse dia não vai partir

permanecerá entre fronhas e presságios

.

mas a vida não vai te abandonar

nem te permitir morrer de dor ou tédio

persistirá latente 

.

e em pouco te atropelará 

os momentos de luto serão suspensos

tomados de assalto por contas e caos

.

o alerta será vermelho o tempo curto

a urgência de inúmeras coisas 

trará de volta o intenso tráfego do dia-a-dia

.

as noites serão longas e iguais

durante um tempo sem tempo

montanhas de dúvidas e cavalos de batalha

.

mas aquele dia que você acreditou jamais esquecer

aos poucos irá desbotando

ao contato com raios de sol e vaga esperança