mala extraviada

algumas

ao longo da vida

por viagens em geral aéreas

cheias de expectativas

ou apenas protocolares

ou ainda pura fuga

 

malas (e tantas outras coisas)

que descaminham

por alguma falha do destino

pra quebrar o comum das certezas

uma noite sem roupas

a espera, a dúvida

a curiosidade: onde andará

se deveria estar comigo ?

 

tenho me extraviado tanto

e de tal forma

é bem capaz de encontrar-me

neste justo (ou injusto) momento

girando numa esteira

de um aeroporto qualquer

mínimos deslizes

by desenhando o mundo (tumblr)

falo de maneira obtusa

calo o que é obvio

e finjo não saber

.

tenho um nome estampado no peito

mínima bagagem sempre no porta-malas

um carrinho de rolimã atrás da porta

.

para o que servem não importa

arrasto uma história por todo lado

escritos que não chegam ao fim

.

como a casa onde me alojo

construí com as próprias mãos

e esqueci de abrir janelas e porta

.

logo eu

claustrofóbica

inevitável

image by tumblr

ainda que se demore olhando vitrines ou tomando café

pensando que está em Paris ou Aldebaran sabe que voltará

baterá na mesma porta e na mesma tecla dessa melodia triste

refrão cansado de nada inovar

ainda que compre um passe de livre trânsito por todo o país

em seu íntimo não há espaço para mais que um pensamento

que vai e volta engarrafado em si mesmo obsessivo como só

ainda que tente castelos de areia sem fim

eles se desfarão à primeira brisa ou onda

ainda que percorra o mundo inteiro

o que te motiva é o não encontrar

 

(do livro fronteiras, sette letras)

fabulando

“Jetta” by Seamus Conley

Somos feitos de inúmeras teias
terras, afetos e abandonos
a infância é fábrica de sonhos
lendas e fabulações
a adolescência é descoberta
insensatez, queda livre e busca
de códigos que esclareçam o mundo
mapas para inserir-se nele

O tempo – esse espanto –
vai nos mostrando
a metamorfose que somos
o terreno sempre movediço
a cronologia dos sonhos
as ruínas dos planos

E o sentido de tudo ?

Tudo é sempre viagem

em algum lugar do passado (ou beirando o Rio Douro)

Imagem

 

Um tempo sem pressa

nos comboios que levam

para algum lugar sem precisar qual

o caminho se faz ritmo

nos trilhos a segurança

de um percurso sólido

ainda que sem motivos

 

É impossível conter a estranheza

de um sentimento quase nostálgico

sem saber do que

a viagem beira o rio

um rio imenso que rega a terra

a terra áspera que marca o homem

que ali vive com sonhos tão próprios

como a paisagem que avisto

imagem colada na retina

irá com ele aonde ele for

ficará guardada por tantos anos

quantos for preciso para lá um dia voltar

 

E eu, passante por esta e outras vias

atravessando-as com minha perplexidade curiosa

deixo-me marcar pela força da região

que passa a existir um pouco em mim

somada a tantas outras – histórias de homens e de lugares

um passado puro rastro

pelos ares

De postal em postal (me) decoras parede afora

nesse digo estou bem, feliz até

noutro, entrelinhas, deixo entrever

ligeiro caso de olhar – quase de amor

ainda noutro, tão soturna

influências de uma noite escura

e ainda aquele em que inspirada

revejo romântica, nossos encontros,beijos, disfarces

chego mesmo a pensar em casamento.

Depois desse tão efusivo

segue o reticente e já nem sei se volto

se fico pra sempre à deriva

e daí pro naufrágio é um mergulho

onde pulo, aperto o gatilho

rasgo o livro que escreveria.

Mas por sorte o próximo é tão lindo

rua estreita, casas floridas

adivinho quintais, crianças, queria tanto

cozinhar bem pro meu bem

fazer docinhos, pastéis.

E então um corte/

Lisboa by night emoldurada

e me derramo sedução e fados

depois um poema duro

sem data ou sentimento certo

e o abstrato, irrecorrivelmente hermético

e outros e tantos, variando segundo

meus ares e tempestades

mas no final, afinal, todos se igualam

amor, saudade, te quero

e só por isso

(não pelos exibicionismos poéticos)

eles atravessam o mundo

e em suas mãos

me entregam

Do livro: Sem Alarde, Vânia Osório, Taurus/Timbre