POEMAS
esperas
espera
vento sudeste
blasfemo
contra você que não me quer ou não se revela
contra o céu que escureceu sem aviso
o ar pesado, as dívidas, as trincas de azes
que não surgem mais em minhas mãos
quantos verbos imperfeitos
quantos pretéritos sonhados
realidades preteridas ?
forço a tensão de todas as cordas
até que seja quase impossível
permanecer assim
rebentação
eu e meu mutismo provisório
meus escritos em pé de página
bicicleta na madrugada
o mar batendo nas costas da noite
enquanto pedalo ou caminho
uma rajada de vento
e aquele abraço doce e intenso
pelo qual espero
embora pressinta que devo tomá-lo
a força, se preciso
antes que a noite parta
e o dia interdite a paixão
varrendo os desejos para baixo do horizonte
dois (vania)
Veio o dia e era redondo
Antes da chuva cair, ela, a noite,
Sequer esboçava contornos
O dia rolava de um lado para o outro
Enquanto brincávamos
Despreocupados e perdidos
Numa alegria simples e sem culpas
A chuva nos arrancou das nuvens
A noite-rede se jogou sobre nós
Uma onda imensa nos abraçou
nos pegou sem fôlego
Sem tempo de escolher
Guelras ou pulmões
Pele ou escamas
E assim ficamos
Metade-metade
descaminho
Pode ser que a vida mude
Pode ser que não
O mundo anda às vezes de lado
Qualquer um que já passou
Por curvas fechadas
E se obrigou a seguir
por contra-mãos
sabe que o relógio pode ir ou voltar
o sentido de tudo pode
em segundos, mudar
todo amor se esfarelar
e o que se tinha de mais precioso
desaparecer
em preto e branco
Dois refletores tensos me focam
não me assusto
afio a fala
apunhalo.
Me viro e vou
atrás deixo o quarto
o corredor e teus olhos
sou dura drástica
sequer me volto.
Em instantâneos:
o relógio de pé
a toalha na mesa debruçada
nossa felicidade em close
no porta-retratos.
Nem respiro
saio como se não fosse eu
e a vida não tivesse
tantas faces flashes
endereços errados.
Desapareço
porta escada
rua afora de mim
dentro da noite velada
numa foto em branco
e perda.
Asas do tempo
Soletro o que não entendo
Na vaga esperança de enfim saber
Rastreio pensamentos
E caio numa espiral sem fim
Enquanto entardece
Me impaciento com o silêncio inabitual
Com o tempo que de repente me sobra
E não sei como preencher
Tenho corrido muito
Perdido horas em engarrafamentos
E marcado tudo em minha agenda eletrônica
Ultimamente utilizo despertador até para dormir
Não vejo a tarde cair em mim
Não pisco, não suspiro, fecho os olhos
Não questiono toda a vã caminhada
E finjo não ver as asas caídas dos meus desejos.
bolhas de sabão
Por que no fundo todas as cidades pequenas se parecem ?
Por que ao meio dia todos desaparecem ?
É um almoço único num anfiteatro onde todos se encontram ?
E depois ?, Vão todos dormir a sesta ?
Que lugar tão grande guardará tantos sonos ?
Por que no fundo tudo se parece ?
A minha vida e a sua, aparentemente tão díspares,
é só remexer um pouco, haverá lá no fundo uma lembrança triste,
uma antiga paixão, uma ânsia de liberdade,
um medo ou segredo cansado e já sem motivo.
Por que juntando tudo, nada dura para sempre ?
O poema se mistura com a xícara de chá no fim da tarde,
a boneca de pano adormece sobre o primeiro livro,
os sonhos se mesclam, o filho menino, o laço de fita,
Onde fica a jura de amor sem fim, o desejo de correr atrás do arco-íris,
o brincar com bolhas de sabão, em breve desaparecendo no ar, como tudo o mais ?
Tudo o que se juntou, o que poderia ter se deixado ir, simplesmente,
o que nem precisaria ter acontecido, tudo, sem exceção: bolhas de sabão.
Porque no final das contas não há saldos nem dívidas para se levar,
fica tudo por aqui mesmo, fechado num baú ou ao relento.
Porque depois de tudo só restará o bom que foi ou o bem que se fez,
este é o tesouro que não se guarda, e tem seu valor em não ser de ninguém.


