passa boi passa boiada

miró
(miró)
.
caminho por entre estranhos
tirando fino da sorte da dor
das notícias e do tédio
passo noites em claro
digerindo o óbvio
dirigindo uma história
um pouco drama um pouco farsa
na falta do que ser sou poeta
fujo do sério passo do severo fuso
de cabeça pra baixo me sinto melhor
o sangue desce as ideias gozam
a hora invertida me dá tempo de sobra
e da janela do meu quarto
fincado num alto prédio
fico a ver navios e trens
maria-nuvem maria-fumaça

(do livro fronteiras)

cultivar

Tenho questões pendentes

que me esforço por resolver

embora duvide do valor do que se faz

da dor que nada traduz

da espera nos pontos de ônibus

 

Tenho reunido impressões

em fotos em abraços em branco

guardado amores em rascunhos

apostado em noites sem lua

em corpos sem rosto

em rostos sem amargura

 

Tenho feito de tudo um pouco

e pouco me ajudam os mapas

as viagens de qualquer espécie

e os dicionários de antônimos

 

Mas me esforço para sorrir

bilhar junto aos primeiros raios de sol

e embarcar em sonhos e planos

às vezes em alto mar

outras em voos rasantes 

 

Viajo em rios caudalosos

em braços feitos cipó

um dia maremoto outro túnel do tempo

outro ainda lições de silêncio

ou um amor que dura infinito momento

sem tempo sem muros

semente

179

tomo um ônibus

transito pela cidade lenta

corpos suados pressa

paisagem sem foco

buzinas pensamentos

um rádio uma parada brusca

trechos de conversas roubadas

se misturam numa história insensata

relógio sem ponteiros

horas que dão em anos em nada

salto no ponto errado

talvez certo se tudo fosse diferente

caminho contando os passos

o cansaço é palpável

eu o carrego nas costas

e debaixo do braço

sento na praça

deveria seguir mas não posso

minhas pernas de cimento

travam duelos com as asas

e esse coração vertigem

quase

DSC09420

fim de tarde
quando as possibilidades do dia
já se guardam
para um outro amanhecer
quem sabe?
.
entre as cores do céu
há uma que me esquece de mim
outra que me leva
onde sonhos se perdem
descalços numa areia distante
.
até os pássaros suspendem o canto
nos aquietamos aturdidos alertas
numa atenção perdida
aguardando o desfecho
da luta diária noite-dia
.
sabemos quem vence agora
e quem voltará vitorioso
no próximo round
queria eu também ter
certezas assim
.
fim de tarde
todos os seres suspiram nessa hora
é quase possível perceber (talvez acreditar)
no pulsar das veias nas confissões de amor
no fluir dos rios que nem sempre correm para o mar

quase
a noite ainda na sala de espera

cansaço

Foto Taylor James
(foto Taylor James)
.

eu queria fazer coisas com sentido, não, coisas que quebrassem o sentido
ditado pelo que já é posto, pelas forças cotidianas que nos fazem fingir
como se isso fosse o melhor de nós, queria matar um a um os meus medos
deletar passados, mostrar meus seios, abrir o peito e dizer sim ou dizer não
se fosse pra frear um trem descarrilhado, parar o tempo um dia antes
de um acidente rodoviário ou vascular, desfazer armadilhas, desatar

queria meu pensamento não tão disperso, intermitente, incontrolável
não me dividisse em dez, em mil, cada uma um olhar, um paradeiro
é difícil viver num planeta de espelhos por todos os lados
que não me repetem a mesma, não, ao contrário, me denunciam múltipla
diversa e ainda assim confinada a essa pele corpo roupagem

preferia não ter ido ao céu pois ele me deu a dimensão do inferno
se tivesse morado na Bolívia, não teria flertado tanto com o inimigo
batido tantas vezes na porta errada, assaltado noites frias
mas o tempo é isso, nada e tudo, um tambor de revolver
eventualmente vazio, potencialmente um tiro, um lugar escuro

está bem, não foi um bom dia, não queria, juro, incomodar ninguém
com essa minha poesia vômito, feita de sertões e dilúvios
verso que se desdobra, confessa e logo em seguida desdiz
passado, futuro, pretérito, conjugações numa língua difícil
onde cada verbo é um mundo ou mero sentido dúbio para uma noite mal dormida

capitulando ou fechando um capítulo ?

alinhavo uma história

quase possível, quase crível

como se não fossem irreais

as mais concretas, ainda que absurdas

histórias de guerra e/ou  de amor

.

fecho o capítulo

capitulo diante da madrugada

tomo uma taça de vinho

na varanda entre flores, duendes

pequenas árvores da felicidade

silêncios e alecrim

.

um dia isso tudo terá um fim

meu mínimo e precioso jardim

a  lagoa ali defronte

o guri triste a pedir ou roubar

a tia em sua inacessível viagem

e o velho amigo ao meu lado

amenizando marés e noites rasantes

.

não faz sentido esperar

o sucesso, o amor, seja lá o que for

fui a tantos mundos, passados futuros

tentei refazer alguns caminhos

mas não há chances

de se repetir qualquer lugar

.

por isso brindo

ao capítulo findo

de um inacabado livro ou dia

a essa noite fria ainda que bela

aos motivos que nos fazem amanhecer

e à vida, que é o que temos

ainda que nem sempre saibamos

exatamente

que fazer com ela

amarelo

by in-dissoluvel (tumblr)

dias atrás encontrei uma pasta

com postais, fotos, cartas

estas, especialmente, bem antigas

não sei porque as perdoei

das cinzas a que submeti tantas outras

.

releio, tento lembrar

não sei porque exatamente as escolhi

algumas, que gostaria de ainda ter

incendiei sem mesmo saber

.

agora é mais simples ou ao menos mais rápido

deletar ou perder num computador antigo

num pen drive esquecido numa bolsa qualquer

.

tempos modernos

assépticos,  luz fria

nada de papéis para amarelar

em alguma gaveta do tempo

noites brandas

by desenhando-o-mundo (tumblr)

Na varanda

a rede abraça o corpo estendido

ao mínimo movimento do vento

ela distraída responde

ligeiro balanço

.

A brisa é fresca

acaricia o rosto, ameniza a dor

os sonhos devaneiam pelo jardim

há duendes brincando junto ao riacho

e flores aguardando a primavera

.

No fim da tarde as nuvens se adensam

crianças que há muito cresceram

entoam cantigas nessa hora

enquanto o céu escurece

os corações envelhecem

.

Estrelas sempre arrancam de nós

suspiros e atordoamento

desnudam nossa pequenez

apontam tantos mistérios

nos defrontam com o tempo

.

Este que leva e traz

e sem aviso toca a campainha

lá no longe da porteira

que nada separa

e tudo indefine