fronteiras

fiz um livro chamado fronteiras, levei-o comigo a muitos lugares

na tentativa de delimitar, ou melhor, deslimitar meu mundo

deixei-o entre espanha e portugal no exato ponto em que me disseram

aqui é um, ali é outro país, embora não tenha notado qualquer diferença

outro está perdido entre mato grosso e bolívia

onde pode parecer que é só um fim de mundo e não dois

em outras fronteiras neste mesmo Brasil ou longe dele,

e, os que não deixei, queria ter deixado (e por isso lá estão)

e continuo espalhando-os por aí

e dentro de mim, indefinidamente.

alguma coisa acontece

o que dizer sobre tudo isso?
não há distância possível
é agora, aqui, junto e entre nós
difícil entender, ter qualquer clareza
só o tempo permite que as dimensões dos fatos
se adequem à realidade, às vezes nem ele

há muito andávamos calados, taciturnos
rebaixados a categoria de nem sei bem o quê
na condição de alienados ou mansos
de repente aqui, ali, mais adiante
uns gatos pingados, um aglomerado
um rio de gente anunciando tempestade

há quem ache que vai dar samba
outros esperam que acabem as pizzas
ouvem-se românticos relatos de outros tempos
e também dolorosos depoimentos

o que dizer ?
alguma coisa acontece e não é só no meu coração
há muito arrastamos a vergonha de sermos dirigidos
por corruptos, por vaidosos ou ambiciosos inconsequentes
parece que o copo d’água
(na verdade uma caixa d’água de muitos milhões de brasileiros)
transbordou

mala extraviada

algumas

ao longo da vida

por viagens em geral aéreas

cheias de expectativas

ou apenas protocolares

ou ainda pura fuga

 

malas (e tantas outras coisas)

que descaminham

por alguma falha do destino

pra quebrar o comum das certezas

uma noite sem roupas

a espera, a dúvida

a curiosidade: onde andará

se deveria estar comigo ?

 

tenho me extraviado tanto

e de tal forma

é bem capaz de encontrar-me

neste justo (ou injusto) momento

girando numa esteira

de um aeroporto qualquer

capitulando ou fechando um capítulo ?

alinhavo uma história

quase possível, quase crível

como se não fossem irreais

as mais concretas, ainda que absurdas

histórias de guerra e/ou  de amor

.

fecho o capítulo

capitulo diante da madrugada

tomo uma taça de vinho

na varanda entre flores, duendes

pequenas árvores da felicidade

silêncios e alecrim

.

um dia isso tudo terá um fim

meu mínimo e precioso jardim

a  lagoa ali defronte

o guri triste a pedir ou roubar

a tia em sua inacessível viagem

e o velho amigo ao meu lado

amenizando marés e noites rasantes

.

não faz sentido esperar

o sucesso, o amor, seja lá o que for

fui a tantos mundos, passados futuros

tentei refazer alguns caminhos

mas não há chances

de se repetir qualquer lugar

.

por isso brindo

ao capítulo findo

de um inacabado livro ou dia

a essa noite fria ainda que bela

aos motivos que nos fazem amanhecer

e à vida, que é o que temos

ainda que nem sempre saibamos

exatamente

que fazer com ela

janelas

são muitas

janelas entreabertas

portas fechadas

bato escancaradamente

em algumas delas

nada

.

subo pelas paredes

tento alcançar varandas

o homem-aranha me tira

da cena

não aceita coadjuvantes

nenhuma estrela

ainda que cadente

a lhe fazer sombra

desisto

.

deslizo muro abaixo

de volta ao térreo

ao reles mundo sem asas

apago a luz

recolho o sonho

tranco a porta

com sete chaves

e nenhum acorde

noite1

escureceu

adivinho o céu

ouço os multifacetados

acordes do silêncio

respiro o cheiro de mato

alinhavo o dia

me aquieto

aos poucos me transmuto

bicho quieto e manso

que ora sou

ora me consome

querer

Abrir a janela pro sol

e vislumbrar uma gorda manhã

atravessar o pomar das questões difíceis

a horta das mínimas coisas

sorrir pras crianças na porta da escola

e seguir sem pressa

.

Queria muito

você na varanda esperando por mim

dizendo que voltou

e que veio pra durar

um tempo de poemas e colheitas

incertas palavras

by in-dissoluvel (tumblr)

Pode ser um sim

E com ele fazer um incêndio

Colher sementes

Arar o corpo

Pra que tudo seja simples

Ou soe sino numa igreja de interior

.

Pode ser um não e calar

Deixar a mata queimando

Árvore a árvore

Até uma chuva de sóis

Apagar tudo

Ou uma brisa de hálito doce

Ir aos poucos

Esfriando

amarelo

by in-dissoluvel (tumblr)

dias atrás encontrei uma pasta

com postais, fotos, cartas

estas, especialmente, bem antigas

não sei porque as perdoei

das cinzas a que submeti tantas outras

.

releio, tento lembrar

não sei porque exatamente as escolhi

algumas, que gostaria de ainda ter

incendiei sem mesmo saber

.

agora é mais simples ou ao menos mais rápido

deletar ou perder num computador antigo

num pen drive esquecido numa bolsa qualquer

.

tempos modernos

assépticos,  luz fria

nada de papéis para amarelar

em alguma gaveta do tempo