ao fundo o horizonte em traço reto e sutil
a frente os imponentes verticais coqueiros
entre formas tão claras e precisas
um homem e suas assimetrias
Sem dizer adeus
Como quem foge
Ou como quem fecha porta e janelas
Por hábito, mas pela última vez
Partir, sem deixar marcas
Sequer fotos
Como se tivesse durante todo o tempo
Caminhado sobre areia fina
Nenhuma bagagem de mão
Na mala grande de rodinhas
Apenas a esperança
De um outro dia.
Me leva outra vez àquela curva
onde posso sentir o orvalho e entrever o caminho.
Sei que muitos pássaros preparam-se para deixar os ninhos,
que esta é uma hora mágica (também já tive a minha, e fui)
Num piscar de olhos o dia começará a jogar luz sobre a paisagem
Como uma criança me escondo, espreitando.
Ainda está escuro, não consigo ficar parada.
Lentamente os pés tateiam o piso incerto da noite,
mas em algum lugar desta curva
esconde-se o dia.
Ele saltará sobre nós em segundos
tomará a noite de assalto
e a vida de surpresa.
Fazia tempo nao andava descalça
Os pés firmes no chão
E o planeta girando no seu tempo
Preciso e seguro, quase eterno
Senti a umidade da terra
E a vida que pulsava
Deitei-me no chão e chorei
Fazia tempo, também,
Que desaprendera a chorar
Tive medo, confesso,
Que tanta luz, ar puro e silêncio
Me enveredassem por escombros do passado
Mas a natureza me convidava
De braços abertos
Dormi e sonhei
com vocè que nao quero mais
com alguém que ainda espero
comigo, sentada na soleira da estrada
O dia se foi
a noite me trouxe de volta
Nem mais nem menos
outra
Caminhos rotos 1
Moro onde jurei jamais passar
Fiz coisas que prometi nunca repetir
(embora siga fazendo sem conseguir evitar)
Menti sobre mim mesma de tal forma
Que nem mais posso distinguir
O falso do provisório
Se tivesse naquela época
Noção de que a vida dura um bom tempo
Talvez tivesse falado só verdades
De qualquer modo pensariam que mentia
Mas estaria livre
Não prisioneira de meus devaneios
Nesta casa que garanti não pisaria
Ao lado de quem jamais estaria
Observo o caminho das águas
Os desvios do destino
E ouço ao longe o riso nervoso
Daqueles que evitei e que me aguardam
Se tivesse tido coragem
De virar a mesa na hora certa
A vida hoje seria outra
Uma outra casa onde numa mesa virada
Beberia vinho e talvez até brindasse
com os indesejáveis
Agora eu sei
Nao se foge de si mesmo
Uma vida inteira
No último instante ou quase
O amante do momento retira a máscara
E é você mesma a peça que faltava.
H2O
Quando o céu parecia querer chorar
Dentro de mim já se tinha feito tempestade
Resolvi sair pela cidade pra não transbordar
Imunda, inundada daquele “mês-maremoto”
Perdi a metade esperança, fiquei toda solidão
Meus cabelos ventaram até o destino
Embaraçados como meu coração
Entrei de fininho naquele mundo de pernas grossas
Seria meu destino acabar ali?
Comecei conversas secas, desconversadas
Palavras desperdiçadas, perdidas, jorradas
Mais um gole, dois, três copos
A garrafa inteira vazia pro tempo passar
Mas quem passou foi você
E eu fiquei
Fiquei ouvindo você me imitar
Sem nem ao menos me conhecer
Em um minuto já era muito,
Muito tarde pra te largar
A água agora só caía lá fora
Aqui dentro uma sede…
Poemas ao vento .
pensei te dizer que a vida parece um circo
desses pequenos, de interior, cheios de erros e improvisos
mas a imagem não iria te agradar e calei
queria ter dito também que às vezes o medo é algo palpável
veste um sobretudo grosso e anda devagar
mas estávamos com pressa ou algum assunto diário
ocupou nosso espaço e a coisa passou
agora, depois de tantos quase ditos
te observo dessa distância que se fez entre nós
teria sido diferente se tivéssemos ido ao interior
e assistido ao circo desorganizado de nós dois ?
teria sido melhor se você tivesse apertado a mão
do companheiro de sobretudo que rondava nossa casa ?
e se eu tivesse falado com você que sabia da sua dor
da culpa que nunca te deixou dormir direito ?
teríamos sido diferentes, com certeza
nem melhor nem pior, provavelmente apenas diferentes
e talvez ainda assim desnudados, estivéssemos agora
emparedados em nossas solidões
talvez ainda agora o silêncio escavasse nossos dias
concreto e sólido – inarredável e bruto
talvez, mas o talvez deixa sempre em aberto
e move estrelas diferentemente do nunca
agora não há circo nem luzes no nosso palco
mas não longe daqui
o equilibrista segue concentrado em seu número
e o sobretudo descansa sobre a cadeira
Distraindo a noite
antes que eu me pegue pensando em você
ou acabe a noite jogando paciência impaciente no computador
ponho um belo par de brincos e saio
talvez você me veja do seu firmamento
se lembre de mim nos melhores momentos
não sei, sei que saio de casa pra distrair a noite
caminhar um pouco, encontrar amigos
falar coisas tolas, leves, quem sabe arriscar de novo
pego uma barca e atravesso meu próprio silêncio
queria não ter de ouvir de mim mesma
que acabei perdendo a chance
a hora não é mais essa
agora estão todos com pressa
nem um poema, ainda que breve
cabe nessa confusão
olho sem ver a cidade adormecer
as luzes inventam finos traços no meu horizonte
os sons chegam misturando palavras e ruídos
afio os ouvidos e tento captar
uma história possível de ser escrita
uma confissão capaz de mudar a história
uma declaração de amor
mas só ouço funk e um pigarro ou outro
aqui e lá, luzes difusas
nessa noite inacabada
não é mais hora de abrir caixa de mensagens
mas a noite chegou solitária, o sono ainda não
e então remexo meus e-mails
como se dentre eles pudesse haver algo
um chamado, uma palavra mágica, sei lá
o mapa da mina
fico ensimesmando que mina seria
de ouro ou de felicidade ?
de amor ou sucesso ?
por que a vida é assim tão dual ?
como ser só isso ou aquilo ?
me vejo numa encruzilhada
todos os caminhos são caminhos
e me atraem na mesma intensidade
não dá pra sermos múltiplos e simples
ao mesmo tempo ?
receio que não, receio que sim
ou somos básicos demais ou sem fim
retrógrados, devagar quase parando
ou nosso barco virou foguete e sumiu
difícil encontrar pares ímpares
mais difícil ainda apaziguar demônios
Às vezes me canso, me rendo
e pratico ser simples e banal
mas confesso, é muito complicado.